RECICLANDO COISAS (IN)ÚTEIS DO SEU DIA A DIA



A amiga, ao meu lado, abriu a boca num sonoro bocejo. “Está com sono?”, perguntei. Ela disse que não. Foi o suficiente para que eu lembrasse, e dissesse isso a ela, de um artigo que há pouco acabara de ler.

Um artigo sobre o tédio. A leitora deve saber, e assim o leitor, que o tédio é o que mais mata casamentos. Aliás, vivo dizendo que não é por outra razão que as pessoas dão um dedo para sair e almoçar fora nos fins de semana. É que o convívio dos casais, em casa, e num demorado fim de semana, é fardo insuportável. Os casais não se suportam, mas, é claro, não admitem isso, e fazem o que podem e o que não podem para sair, para ver outras pessoas, o pretexto é comer fora. Pretexto.

E o que é o tédio senão os vazios na vida? Uma pessoa sem paixão, sem um amor intenso, cairá no tédio. Mas, por favor, não pense que quando digo paixão, amor, estou falando de outra pessoa. Falo de paixão, de amor por alguma causa, ofício, trabalho, arte, ciência, o que for. A alma humana suporta quase tudo, menos o tédio.

Tem cabimento uma pessoa estar a bocejar, assim, sem mais nem menos? Ela não se dá conta, poucos vão admitir, mas é tédio sim. O bocejo é um desejo plástico e sonoro de morrer. Salvo, claro, claríssimo, quando a pessoa está mesmo caindo de sono.

Fora disso é desespero.

O tédio no casamento resulta de um e outro não verem mais no parceiro algo que atraia, que estimule, que encante, que desperte para a vida, que justifique, enfim, a parceria. E, sem dúvida, a culpa é sempre do outro, o outro é que não me preenche. Mas e eu preencho o outro? Aquela história de que o inferno são os outros, cuidado, nós somos os outros dos outros…

Talvez seja por isso, por esses tão comuns desencontros entre maridos e mulheres, é que aprecio a ideia das almas gêmeas. Já me disseram que isso é bobagem, que almas gêmeas são parecidas, iguais, e que nada é mais tedioso que uma cópia de nós mesmos ao nosso lado.

Quem ama não adoece, já não disse isso aqui miríade de vezes? Não adoece. Interesse, amor, é remédio para anestesiar a finitude da vida. E se equivoca quem pensa que para isso precisamos de dinheiro, precisamos é de achar algo que nos encante, uma alma gêmea, por exemplo. Não a achando, sobra o tédio.